quinta-feira, 26 de março de 2020

Um ano depois do Ciclone Idai: Que lições aprendemos das árvores na área urbana: um amigo ou inimigo?


O presente post teve a colaboração do Eng Sá Nogueira

O planeta terra é aquilo que é porque tem vegetação, que desempenha um papel importante nas trocas gasosas e na manutenção dos níveis de oxigénio e dióxido de carbono aceitáveis para a vida humana e de outros seres vivos. Não é tanto sobre a vegetação que este artigo pretende falar, mas uma parte dela, as árvores no ambiente urbano. Diversos estudos (FAO, 2016; Reid et al., 2018) apontam que as árvores nas zonas urbanas ajudam não apenas na ornamentação e estética, mas também no controlo do microclima (reduzindo as flutuações de temperatura, particularmente no verão), reduzindo a velocidade dos ventos, provendo habitat para biodiversidade, principalmente pássaros e insectos, e servindo de base para a produção de frutos e flores e outros serviços de utilidade pública. A rápida expansão urbana leva a problemas como diminuição da cobertura de árvores, aumento de superfícies impermeáveis, altas concentrações de dióxido de carbono atmosférico, efeito de ilha de calor urbano e vedação do solo. As pessoas que vivem em áreas urbanas e peri-urbanas, portanto, enfrentam muitos riscos potenciais à sua saúde, bem-estar e meios de subsistência (FAO, 2016).
No contexto Africano, o cenário é similar, com cidades de crescimento rápido, incapazes de produzir bens e serviços para a população, agravando assim, os níveis de pobreza urbana. É neste contexto que Conigliaro, Borelli, & Salbitano (2014) sugerem que o estabelecimento e maneio de árvores na zona urbana e periurbana podem constituir um importante contributo para o desenvolvimento sustentável das cidades Africanas. Ainda assim, aqueles autores reconhecem que ter uma cidade arborizada requer um planeamento à medida. A FAO (FAO, 2016) estima que a arborização urbana tem o potencial de criar postos de emprego decente, contribuindo dessa forma para a redução da pobreza urbana. Para além de ver o plantio e manutenção de árvores urbanas como um encargo, o mesmo estudo refere que observações feitas em várias cidades do mundo, demonstraram que para cada dólar investido na manutenção das árvores urbanas, há um retorno de 1.37-3.09 USD por ano.
Em Moçambique, a Estratégia Nacional de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (Governo de Moçambique, 2016) inclui entre as acções estratégicas de restauração de florestas, a planificação urbana que inclua espaços verdes em forma de parques, árvores nos arruamentos, e nos espaços domiciliários. Esta acção deve contar com a participação activa dos Municípios. O Município de Boane, na província de Maputo, por exemplo, lançou em 2017, um projecto denominado “Boane, Município Verde”, com a finalidade de plantar um milhão de árvores num período de cinco anos ([1]).
O uso de árvores em áreas urbanas não apenas tem função estética e económica, mas também ambiental. As árvores são usadas para controlar a erosão dos solos e prover sombra para os citadinos. A Barreira de Maxaquene na Cidade de Maputo, por exemplo, é uma região com elevada inclinação, e a estabilização dos solos é feita principalmente através de vegetação estabelecida como instrumento de protecção de taludes. Este serviço ambiental é considerado mais eficaz e mais económico quando comparado com obras de engenharia civil com a construção de muros e gabiões. Porém, requere medidas estritas de protecção para evitar a sua destruição. As árvores do mangal têm funções ambientais mais específicas, incluindo a filtração das impurezas dos resíduos urbanos, a protecção contra as marés de ondas gigantes e tsunamis.
A silvicultura urbana tem estado a ganhar cada vez mais interesse entre os estudiosos, incluindo botânicos, geógrafos, silvicultores, poetas e, arquitectos. O plantio de árvores nos passeios, jardins e parques e, quintais é uma prática comum em Moçambique. As cidades Moçambicanas seguem tipicamente uma estrutura colonial em que se faz a derruba da vegetação original e depois de construídas as ruas, avenidas e edifícios, plantam-se árvores ornamentais. É assim que Maputo foi conhecida no passado como a cidade das acácias, pela predominância das acácias amarelas (Cassia siamea) e acácias rubras (Delonix regia), esta última é a flor símbolo do município da cidade de Maputo. Um estudo levado a cabo em 1986 por pesquisadores da UEM e da UFPr (Roderjan et al., 1986) identificou 25 espécies de árvores e palmeiras (entre nativas e exóticas) nos principais arruamentos da Cidade de Maputo. Uma tese de licenciatura de um estudante de engenharia florestal (Américo Cantelo 1994), revelou haver mais de 100 espécies de árvores no Jardim Tunduro na baixa da Cidade de Maputo. O Departamento de Engenharia Florestal da FAEF (Lisboa et al., 2019) realizou censo arbóreo no Campus da UEM tendo reportado um total de 5478 árvores de 140 espécies pertencentes a 34 famílias.

A região periférica da cidade de Maputo, principalmente nos bairros suburbanos, difere a prática, sendo que nesta zona as árvores predominantes são plantadas nos quintais e consistem principalmente de árvores fruteiras nativas e exóticas (e.g. mangueiras, cajueiros, mafurreiras, coqueiros, etc.) utilizadas como sombra, mas também como fonte de alimento. A importância e o significado das árvores nas zonas urbanas é tal que deu origem a nomes de bairros, tal como o bairro de Xipamanine (pequena figueira) na Cidade de Maputo e muito provavelmente o bairro da Manga na Cidade da Beira.
Desde o Protocolo de Kyoto, em 1997, as árvores têm ganho cada vez mais importância no contexto das mudanças climáticas a nível global. O principal enfoque tem sido o seu papel como reservatórios de carbono, e muito mais recentemente, como elementos de adaptação, provendo bens e serviços de utilidade local. Ainda assim, as árvores das áreas urbanas são pouco documentadas, apesar de consideráveis reservas de carbono e provisão de bens e serviços. Uma estimativa inicial sugere que a cidade de Maputo pode estar a armazenar cerca de 10-25 ton/ha de carbono, o equivalente a uma savana arborizada. Por outro lado, as podas anuais das árvores de rua geram uma biomassa lenhosa equivalente a 140,000 Kcal por árvore (equivalente a uma botija de gás doméstico) enquanto os bairros suburbanos provem frutos da época que podem equivaler até 100 USD por ano num agregado familiar, contribuindo assim, para a segurança alimentar das famílias. A FAO (FAO, 2016) estima que, adicionalmente, uma árvore pode produzir serviços ambientais com um benefício líquido estimado até 50 USD por ano (contabilizando as poupanças de energia, redução de CO2 e de escoamento superficial das águas das chuvas, e outros potenciais benefícios).


Árvores em eventos climáticos extremos
O que se sabe pouco, ainda, é a função das árvores nos eventos climáticos extremos. Estudos anteriores revelaram que em eventos de seca severa (Anyonge, Rugalema, Kayambazinthu, Sitoe, & Barany, 2006b), as árvores apresentam uma maior resiliência comparativamente às culturas anuais, provendo assim, frutos, flores, raízes e cascas comestíveis que são utilizados como substitutos ou complementos de outros alimentos que escasseiam devido à seca. Na região de Nhamatanda, em Sofala, foram reportadas comunidades que se alimentaram de raízes de árvores silvestres (Xikhalanyerere nome local ou Boscia albitrunca nome científico) nos anos de seca (Anyonge, Rugalema, Kayambazinthu, Sitoe, & Barany, 2006a). Os benefícios potenciais das árvores em situação de perda de culturas agrícolas de subsistência pode ser ainda maior se consideramos a extração e venda de produtos-florestais-não-madeireiros (PFNM) como estratégia de sobrevivência das populações afectadas. Com a venda de PFNM, as famílias podem usar esse valor para comprar os alimentos e compensar as perdas das culturas.
Nos casos de cheias, as árvores podem servir de suporte e abrigo para pessoas cujas casas ficaram inundadas. O nascimento de uma menina (Rosita) em cima de uma árvore durante as cheias de 2000 no vale do Limpopo ([2]) é um caso para dizer que as árvores desempenharam um papel importante para o refúgio de muitas pessoas atingidas pelas cheias. No evento do Ciclone Idai no distrito de Buzi, foram reportadas muitas pessoas resgatadas de cima das árvores onde se haviam refugiado ([3]).
No caso de depressões tropicais, com ventos relativamente fracos, as árvores servem de quebra-vento e ajudam a dissipar a força dos ventos que poderiam destruir infra-estruturas diversas. É neste contexto que muitas cidades costeiras Moçambicanas estabeleceram plantações de casuarinas na orla marítima, com a finalidade de fixar as dunas, mas também servirem de quebra-ventos.
Os Ciclones Idai e Kenneth, que atingiram as cidades da Beira e Pemba respectivamente, fizeram-nos reflectir sobre a arborização urbana. É que a força dos ventos, com velocidade acima dos 200 km/hora, derrubou muitas árvores[4] (totalmente desenraizadas, tronco principal quebrado ou ramos quebrados), resultando em bloqueamento de estradas e outras vias de acesso, corte de cabos de energia e comunicações, destruição de edifícios, abertura de buracos que romperam condutas de água, e atingiram pessoas mortalmente ou ficaram feridas. Não há estatísticas de quanto foi destruído por árvores durante os dois ciclones, mas a primeira pessoa vítima mortal do ciclone Kenneth em Pemba foi atingida por um coqueiro que caiu sobre ela ([5]). Ainda assim, estatísticas do Reino Unido indicam que a probabilidade de uma pessoa ser atingida mortalmente por uma árvore que cai é de um em dez milhões, portanto, muito reduzida (FAO, 2016).

Árvores na zona urbana: amigo ou inimigo?
É sobre o potencial destrutivo das árvores urbanas que nos levou a reflectir sobre este assunto. A tendência, depois de sofrer os efeitos do ciclone, é pensar que as árvores são inimigas porque destruíram a infraestrutura. Entretanto, a nossa análise, sugere que as árvores são mais amigas que inimigas. De facto não chegam a ser inimigas, pois o efeito destrutivo destas pode ser principalmente atribuído à deficiente gestão destas. Foi apresentado nas secções anteriores o quão as árvores são tão amigas do homem e da mulher urbanos. Porém, quando o amigo é atingido fortemente por estes fenómenos da natureza, pode se tornar num factor de destruição, aliás mesmo as nossas próprias casas, até certo ponto, tinham-se tornado fonte de destruição com os ciclones. O facto é que as árvores em si tornaram-se vítimas dos ciclones, e a sua morte expôs as pessoas de tantos outros males de que as árvores protegeram durante vários anos. As árvores isoladas, velhas, doentias, com defeitos, com ramos grandes e pesados, sistema radicular superficial são mais susceptíveis a queda em situações de ventos fortes. Estas foram as principais causas da queda de árvores na cidade da Beira. Quando bem geridas as árvores urbanas podem trazer muito mais benefícios do que prejuízos, mesmo em situações de eventos climáticos extremos como os ciclones.


Árvore desenraizada no Aeroporto da Beira pelo Ciclonde Idai

Beira, Abril de 2019: um mês depois do Idai
Em Abril de 2019, um mês depois do Idai, fizemos uma visita exploratória a cidade da Beira com o objectivo de avaliar o impacto do ciclone IDAI sobre as árvores e o impacto destas sobre as infraestruturas na cidade da Beira. Apesar de haver sido uma visita curta, podemos testemunhar como ás évores velhas, grandes e frondosas que tipificam a Av. Eduardo Mondlane, no Bairro da Ponta Gêa fizeram muito estrago nas infraestrutura, incluindo o Centro de Saúde da Cidade e a Catedral da Cidade da Beira. Ao longo da costa, nas Palmeiras e em Macuti, as casuarinas velhas, isoladas, e com o sistema radicular exposto pela erosão costeira foram as quai mais ficaram afectadas. A sua queda derrubou habitações e outro tipo de infraestruturas. Nas Avenidas 24 de Julho e Armando Tivane, onde estão tipicamente árvores médias de Lonchocarpus sp. e Tabebuia pentaphylla, mais juntas uma da outra, houve pouco dano: poucas árvores cairam, e por serem de tamanho médio e longe de edifícios, não fizeram muito estrago. No bairro de Manga-Mascarenhas árvores gigantescas de magueiras, coqueiros, entre outro tipo de árvores dominantes naqueles bairro, foram reddubados e com eles foram atingidas infraestruturas públicas e privadas.


Árvores de Lonchocarpus sp. na Av. 24 de Julho da Beira, que resistiram à queda do ciclone Idai em 2019


No bairro Manga-Mascarenhas, árvores de mangueiras gigantes foram derrubadas e com elas, edifício públicos e privados ficaram danificados. Entretanto, uma oportunidade de colher lenha para uma cidade que ficou com restrições de energia eléctrica, gás, e abastecimento de carvão vegetal.


Em Nhangau, as árvores de mangal não mostraram qualquer dano assinalável. A duna em frente do mangal, numa zona mais alta, pode haver jogado um papel determinante para a protecção das árvores de mangal.


Árvores velhas, isoladas e enfraquecidas pela erosão na zona costeira de Palmeiras e Macuti caíram e fizeram estragos.


Recomendações
Gestão das árvores urbanas (podas, tratamentos fitossanitários, abate de árvores grandes e velhas); planear e monitorar o desenvolvimento das árvores, principalmente as que estão estabelecidas perto de infraestruturas (edifícios, estradas), e aplicar tratamentos de poda/derruba antecipada quando estas representam perigo a vida das pessoas e às infraestruturas. As árvores na orla marítima devem ser consideradas como uma medida transitória em condições onde o nível do mar ainda é estável. Ainda assim, devem ser usadas árvores resistentes ao vento e plantar a densidades que possam efectivamente aguentar o vento. Árvores isoladas são mais susceptíveis a serem derrubadas pelo vento que um conjunto de árvores juntas. Nestas regiões, para além das podas regulares, as árvores devem ser reforçadas com vegetação herbácea para apoiar a manutenção e estabilização das dunas e minimizar os efeitos de erosão eólica e marítima. Nas regiões onde a subida do nível das águas do mar é elevada e sinais de erosão começam a perigar a estabilidade das árvores, deve-se repensar em formas alternativas de protecção da orla marítima para além das árvores. Os municípios devem reforçar as suas equipes de vereação da área do ambiente para tornar estas acções de protecção ambiental como parte integral do desenvolvimento e planificação urbana. Estas acções incluem medidas de identificação e eliminação de árvores doentias, quebradas e podas de ramos em posição de perigo de queda. As árvores dentro dos quintais devem ter uma manutenção regular, com vista a minimizar os riscos de queda das árvores ou de ramos através da poda periódica de ramos grandes, derruba de árvores velhas e inclinadas e substituição com outras para uma maior estabilidade. As árvores fruteiras deve-se considerar as variedades de maior produtividade e de copa baixa e pequena (Geneletti & Zardo, 2016). Deve-se criar parcerias com as universidades locais para fazer estudos sobre diferentes temas relacionados com vista a reportar os benefícios ambientais e socioeconómicos que as árvores urbanas providenciam aos cidadãos por essa via garantir a monitorização do desenvolvimento das árvores.

Referências
Anyonge, C. H., Rugalema, G., Kayambazinthu, D., Sitoe, A., & Barany, M. (2006a). Bosques y salud humana. Unasylva, 57(224), 20–23.
Anyonge, C. H., Rugalema, G., Kayambazinthu, D., Sitoe, A., & Barany, M. (2006b). Fuelwood, food and medicine: The role of forests in the response to HIV and AIDS in rural areas of southern Africa. Unasylva, 57(224), 20–23.
Conigliaro, M., Borelli, S., & Salbitano, F. (2014). Urban and peri-urban forestry as a valuable strategy towards African urban sustainable development. Nature and Faune Journal, 28(2), 21–26. Retrieved from http://www.fao.org/3/a-i4141e.pdf
FAO. (2016). Guidelines on urban and peri-urban forestry (FAO Forestry Paper No. 178). Rome.
Geneletti, D., & Zardo, L. (2016). Ecosystem-based adaptation in cities: An analysis of European urban climate adaptation plans. Land Use Policy, 50, 38–47. https://doi.org/10.1016/J.LANDUSEPOL.2015.09.003
Governo de Moçambique. (2016). Estratégia Nacional para a Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal, Conservação de Florestas e Aumento de Reservas de Carbono Através de Florestas (REDD+) 2016-2030. Maputo.
Lisboa, S.N., Holland, M. B. & Sitoe, A. (2019). Árvores: indicadores da sustentabilidade ambiental do campus da Universidade Eduardo Mondlane. Working Paper. Maputo. 13p.
Reid, H., Bourne, A., Muller, H., Podvin, K., Scorgie, S., & Orindi, V. (2018). A Framework for Assessing the Effectiveness of Ecosystem-Based Approaches to Adaptation. Resilience, 207–216. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-811891-7.00016-5
Roderjan, C., Groenendijk, L., Chirinda, A., Matola, A., Sitoe, A., & Moamba, C. (1986). Árvores principais nas ruas da Cidade de Maputo. Maputo.


domingo, 22 de outubro de 2017

A Lindinha de Moçambique

Lindinha nasceu para ser Miss Universo. Ela é resultado de um amor profundo entre o seu pai e a sua mãe. Linda tal como o nome diz, tem tudo para ser vencedora, ser uma estrela, ser uma princesa e exemplar não só no seu bairro, mas em todo o mundo – ela nasceu de facto para ser Miss Universo. Seu olhos brilhantes, a tonalidade da sua pele condiz com a cor do seu cabelo. Todos os que lhe viram recém nascida não tinham dúvida: tinha nascido para triunfar. Os seus pais e os seus guardiões vangloriavam-se de ter a filha mais bonita de todas as meninas. Suas fotos correram o mundo e preencheram os espaços dos emails e foram motivo de ilustração de beleza feminina em todo o mundo. A própria palavra beleza confundia-se com a Lindinha. Se na altura do seu nascimento houvesse facebook e whatsapp, de certeza que esta teria criado congestionamento na rede com as suas imagens. O seu nascimento foi celebrado com muita pompa e festa em todo o mundo.
Lindinha acaba de fezer 20 anos e é uma donzela que devia estar agora nas passerelles mundiais em Paris, ou em Singapura, ou em qualquer outro lugar de topo. Lindinha não foi à escola porque os seus pais acreditam que isso de estudar não é para mulheres. Ela ficou em casa a cozinhar, a fazer machamba, a varrer o quintal e a fazer todas aquelas tarefas estereotipadamente femininas. Muito cedo foi violada, espancada e estuprada pelo seu próprio pai e pelos seus guardiões. A sua mãe tornou-a em objecto de negócio e vem turistas que pagam a sua mãe que a entrega para abusos e satisfações sexuais. Sua mãe viaja pelo mundo e até foi assistir várias vezes aos eventos de coroação de outras Miss Universo.
Lindinha de nome, ainda tem a sua beleza natural, mas dos abusos e falta de educação adequada, ninguém a conhece senão os seus próprios pais, guardiões e os turistas que dela abusam e tiram proveito próprio. Ela perdeu a fama que tinha à nascença, hoje ninguém acredita mais nela. Aliás, ela ainda tem a fama, mas é má fama. Até o vizinho João diz que a sua filha hoje é a mais bonita do bairro, só porque a mandou para as melhores escolas e lhe deu educação e cuidados médicos decentes.
Lindinha perdeu a confiança e poucas vezes sai para fora para ser vista, porque cada vez que aparece em público, ela é acusada de prostituta, de mau exemplo para a sociedade, e de causar muitos problemas para os lares e famílias. O que as pessoas não sabem é que ela não é culpada. Ela está sendo utilizada, vendida para o benefício de seus pais e guardiões. Ela não gosta disso, e tem consciência de que os seus direitos estão sendo violados mas encontra-se encurralada. Não lhe deixam sair, não tem liberdade de se expressar. Cada vez que levanta a mão para falar e dizer algo, ela é severamente reprimida com o receio de que a gente se vai lembrar que ela nasceu para ser Miss Universo e hoje ninguém está fazendo nada por ela. Aos 20 anos toda a gente já a devia conhecer, mas não, hoje pouca gente conhece e alguns nunca se quer ouviram falar dela. Entre os que a conhecem estão divididos: uns dizem que ela é realmente uma princesa, Miss Universo e a mais bonita de todas e outros dizem que ela não merece o respeito das pessoas, pois ela é hipócrita e não respeita os pobres e os mais carenciados, ela é divisionista e escolhe a quem cumprimenta.
A Comissão da Miss Universo indicou claramente que as candidatas devem ter confiança, e serem capazes de demonstrar autenticidade e outras habilidades de liderança e filantrópicas. Lindinha não cumpre nenhum dos requisitos para além do seu brilho ao nascer. Hoje até receia sorrir porque nunca aprendeu a limpar os dentes. Tem receio de ir às festas porque nunca aprendeu a vestir-se ou a fazer maquilhagem digna de uma donzela e nem sabe dançar mesmo.
Seu corpo, em vez de beleza, apresenta cicatrizes e hematomas de tanto que foi violentada. A sua expressão é deprimida e tímida, com sentimento de culpa de haver criado muita promessa e expectativa, que hoje já não quer aparecer em público.
Lindinha fez 20 anos este mês de Outubro de 2017. O Silvicultor esteve presente na festa promovida pelos seus amigos e simpatizantes, realizada em celebração do seu aniversário. Lá não faltaram vozes críticas: sempre dissemos que Lindinha era a mais bela de todas as meninas, mas ela nunca saiu de casa mesmo, afinal porquê a nossa querida Lindinha continua prisioneira de alguns que se dizem donos e guardiões e não lhe deixam se expressar? Precisamos fazer algo para resgatar o seu brilho e valor para que seja a verdadeira estrela que nasceu para vencer. Mais do que lamentações, precisamos tirar Lindinha daquela prisão para que ela brilhe para toda a gente que aplaudiu o seu nascimento e criou esperança de um futuro melhor.
Lindinha não tem a culpa. Nós precisamos de mudar aquela nossa atitude de impunidade e falta de responsabilização que nos caracteriza. Prevaricadores e criminosos organizados irão continuar a abusar da Lindinha para proveito próprio sob o nosso olhar se nada for feito.
Para quem não a conhece, Lindinha é a Lei de Terras de Moçambique.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Conservando e valorizando a biodiversidade para promover o turismo sustentável

O Silvicultor foi convidado a proferir a aula de sapiência por ocasião da abertura do ano lectivo de 2017 na Universidade Eduardo Mondlane. O evento teve lugar no Centro Cultural da UEM no dia 24 de Fevereiro de 2017. A seguir está, na íntegra, o texto da aula:

Conservando e valorizando a biodiversidade para promover o turismo sustentável
Almeida Sitoe[1], 24 de Fevereiro de 2017

Saudações e Agradecimentos

Sua Excelência Ministro de Ciência e Tecnologia, Ensino Técnico e Profissional,
Magnífico Reitor da Universidade Eduardo Mondlane,
Excelentíssimos Senhores Vice-Reitores,
Excelentíssimos membros do Estado e do Governo de Moçambique
Excelentíssimos Membros dos Órgãos Colegiais da Universidade Eduardo Mondlane,
Digníssimos convidados,
Caros Docentes, membros do Corpo Técnico e Administrativo,
Caros Estudantes,
É para mim uma grande honra estar perante magna audiência, para compartilhar esta análise de assuntos complexos como são a conservação da biodiversidade e a promoção do turismo sustentável. Com efeito, cada um destes temas daria perfeitamente para uma dissertação, mas o Magnífico Reitor desafiou-me a encontrar os pontos comuns de ambos. Não foi tarefa fácil pois a tentação de expandir cada um dos temas na sua complexa dimensão era grande. Nesse exercício de encontrar aspectos comuns, sugeri o tema que vou aqui apresentar: “Conservando e valorizando a biodiversidade para promover o turismo sustentável”.
Agradeço o desafio que me foi colocado.
Obrigado Magnífico Reitor!

1.      Introdução

1.1   Ano Internacional do Turismo

As Nações Unidas decretaram 2017 como o Ano Internacional de Turismo Sustentável para o Desenvolvimento (AITS) ([2]). Esta apresenta-se como uma oportunidade única para a consciencialização pública sobre a contribuição do turismo para o desenvolvimento sustentável, com enfoque, no sector privado e tomadores de decisão, ao mesmo tempo para a mobilização de todas as partes interessadas, para fazer do turismo um instrumento de mudança positiva. O ano internacional de turismo sustentável para o desenvolvimento visa: (a) o crescimento económico inclusivo e sustentável, (b) a inclusão social, emprego e redução da pobreza, (c) a eficiência no uso dos recursos, protecção do ambiente e adaptação às mudanças climáticas, (d) os valores culturais, diversidade e património, e (e) a compreensão mútua, paz e segurança.
“Turismo sustentável” é o acto de visitar um lugar, como turista, e causar apenas um impacto positivo sobre o ambiente, a sociedade e a economia. Esta definição deriva do conceito de “desenvolvimento sustentável”, que tem três pilares: o económico, o social e o ambiental. Manter o equilíbrio destes três pilares não é um processo fácil e representa um desafio, não apenas do sector do turismo, mas de todos os sectores de desenvolvimento.
Enquanto no Século 18 Malthus e van Leeuwenhoek já se preocupavam com os limites dos ecossistemas na provisão de bens e serviços para a humanidade, apenas nos anos 80 se começou a tomar a consciência de que o desenvolvimento económico não pode ser sustentável, se não forem consideradas as limitações ambientais, sobretudo as biológicas, por um lado; por outro lado, também cresceu a consciência de que o desenvolvimento apenas será sustentável se tomar em conta a satisfação social, particularmente a participação e inclusão de todos os actores da sociedade.

1.2   Objectivos

O objectivo desta apresentação é analisar como é que o sector do turismo pode explorar a componente ambiental para promover o seu crescimento sustentável. Reconhecendo que as questões ambientais apenas estão entrando na análise do desenvolvimento, irei procurar focalizar a minha apresentação sobre a biodiversidade (uma componente importante do ambiente), analisando sobretudo a sua importância no desenvolvimento do turismo bem como a forma como o turismo pode promover a valorização destes recursos insubstituíveis, cujo valor é pouco reconhecido.

2.      Turismo sustentável

No contexto dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Ano Internacional do Turismo Sustentável tem a finalidade de promover mudanças nas políticas, práticas de negócios e comportamento dos consumidores para que o sector de turismo seja mais sustentável e possa contribuir particularmente para os Objectivos 8, 12 e 14, nos quais o turismo é explicitamente chamado.
Em 2015, Banki-moon, o então Secretário-geral das Nações Unidas, disse o seguinte, durante a Conferência da Organização Internacional do Turismo:
Com mais de mil milhões de turistas internacionais viajando pelo mundo em cada ano, o turismo tornou-se num poder de transformação para a vida de milhões de pessoas que vivem desse negócio. O potencial para o turismo contribuir para o desenvolvimento sustentável é considerável. Como um dos sectores que mais contribuem para a geração de emprego, o turismo proporciona inúmeras oportunidades para o sustento de várias famílias, contribuindo assim para o alívio à pobreza e promovendo o desenvolvimento inclusivo.”

2.1   Contribuição do turismo na economia

De acordo com o último relatório anual da Organização Internacional do Turismo, o turismo mundial, contribuiu com cerca de 1,5 biliões de USD por ano (10% do PIB global) sendo, por isso, o terceiro maior sector em termos de volume de exportações, depois do sector de combustíveis e produtos químicos. O sector do turismo mostrou uma tendência sempre crescente, e estima-se que este aumentou de 500 milhões para 1200 milhões de turistas entre 1995 e 2015, sendo que o continente Africano recebeu apenas 5% desses turistas (UNWTO 2016).
Estes números além de representarem um crescimento económico, indicam a contribuição que o turismo pode desempenhar nos principais desafios mundiais tais como o crescimento sócio-económico, desenvolvimento inclusivo e conservação do ambiente. ([3])
Em Moçambique, o sector do turismo teve um crescimento de 300 mil para perto de 2 milhões turistas internacionais por ano entre 2001 e 2012, antes do início da tensão político-militar na região Centro do país. Com esse movimento turístico, estima-se que se tenha gerado receitas que variaram entre 50 a 228 milhões de USD por ano, entre 2001, e 2013, o que representa entre 4.7 a 7.8% das exportações nacionais ([4]).

2.2   O que os turistas procuram afinal?

Os turistas procuram tranquilidade acima de tudo. Querem sair da rotina e encontrar diversão e aventura; querem experimentar coisas novas ou raras; procuram beleza na paisagem, um ambiente não degradado, cultura, culinária e arquitectura local. Mas os turistas só irão a um lugar se esse lugar oferecer segurança e conforto. Quando o turista chega ao sítio e diz “WOW!”, isso representa a sua satisfação e essa memória é gravada como “bom momento” para recordações futuras.
Os turistas conferem a informação antes de se decidirem por um destino turístico. Qualquer sinal de intranquilidade, insegurança, corrupção ou extorsão pode afugentá-los. Assim, a percepção que o mundo exterior tem sobre o destino conta muito. Nisso, a informação e a propaganda desempenham um papel extremamente importante.
Enquanto a Europa, que constitui o destino de mais da metade dos turistas do mundo, devido aos monumentos, museus, e outras obras arquitectónicas (p.e. a Torre Eiffel em Paris, o Palácio Real em Londres, a Basílica de São Pedro no Vaticano, entre outros), os maiores atractivos dos turistas no continente Africano são os “monumentos naturais”, como diria Alexander von Homboldt: as praias, as florestas, as montanhas, os vales e as cascatas, a fauna selvagem (p.e. das manadas de boi-cavalo de Serengueti, os elefantes do Kruger, os leões da Gorongosa, entre outros).
A Organização Internacional do Turismo reconhece o papel da vida selvagem Africana no turismo internacional, sendo que nessa base, iniciou esforços para o aumento do conhecimento sobre o valor económico da visitação da fauna bravia africana no turismo, e o envolvimento do turismo em acções contra a caça ilegal. O relatório produzido pela WWF nesse sentido, refere que a visitação da fauna bravia representa 80% das vendas de viagens para África. As espécies de fauna mais ameaçadas pela caça furtiva, tais como o elefante e o rinoceronte estão entre os motivos das visitas mais populares ([5]).
Esse conjunto de monumentos naturais, que constituem atractivo turístico no continente Africano, são parte das manifestações de formas de vida na terra, ou biodiversidade.

3.      A biodiversidade

3.1   Conceito

Biodiversidade é: “a variação e a variabilidade entre os seres vivos de todas as formas incluindo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, e outros sistemas aquáticos, e o complexo ecológico da qual são parte; esta inclui ainda a variação dentro de espécies, entre espécies e entre ecossistemas”.

Esta definição é complexa e percebê-la é ainda mais complexo. Tentativas de explicar o seu âmbito levam à necessidade de definir os limites das suas componentes, o que até aqui apenas é feito de forma simplificada para facilitar a interpretação. Hoje, reconhece-se que essa tarefa não é fácil, especialmente para organismos de pequenas dimensões, bem como na componente da diversidade genética onde apenas muito recentemente as técnicas de sequenciamento molecular foram desenvolvidas. Dada esta complexidade, reconhece-se que, nas condições actuais, nunca saberemos quanto é a biodiversidade de um dado lugar. Contudo, assumindo que existe uma correlação forte entre os elementos da biodiversidade (genética, específica e ecossistémica) toma-se como referência a diversidade de espécies como indicador principal, sem contudo, querer dizer que as outras componentes são menos importantes. Ainda assim, Charles Darwin refere que o processo de surgimento de novas espécies é contínuo e é parte do processo de evolução, e portanto, os limites e a diferenciação entre espécies nem sempre são óbvios.

3.2   Valor da biodiversidade

Geralmente referimos ao valor de uma coisa pelo seu valor monetário ou valor de mercado. A biodiversidade tem um valor incalculável, que muitas vezes não conseguimos expressar monetariamente.
O valor de uso directo refere-se ao valor de mercado do produto extraído dos recursos biológicos. Entre estes recursos encontram-se alimentos, plantas e animais medicinais, materiais industriais, recreação e ecoturismo. A madeira, por exemplo, constitui um volume de negócio de mais de 600 mil milhões de USD por ano, a nível global, sem contar com os usos locais não contabilizados ([6]). No mês passado (Janeiro de 2017), a WWF publicou um relatório que revela que o Valor Anual do Oceano Índico Ocidental, do qual a costa Moçambicana faz parte, é estimado em 333,8 milhões de USD, dos quais cerca de 40% são derivados do Turismo costeiro e marítimo.
Na medicina moderna muitos dos medicamentos são produzidos por produtos químicos em empresas farmacêuticas, mas as fórmulas originais vêm de plantas. Por exemplo, nos anos 90 o tratamento da leucemia teve importantes avanços graças à descoberta de um poderoso alcaloide derivado do beijo-de-mulata (Catharanthus roseus), uma planta nativa de Madagáscar, mas que também ocorre com frequência no nosso país como ornamental.
Para além do valor de mercado, a biodiversidade tem o valor de uso indirecto e o valor de não uso. Estes valores incluem os serviços como a conservação de solos, reciclagem de nutrientes, regulação do ciclo hidrológico, regulação do microclima, controlo biológico de pragas, polinização de culturas agrícolas, entre outros. As paisagens, plantas e animais inspiram os artistas, escritores, políticos, filósofos, e influenciam a nossa maneira de viver e ver o mundo.

Quem não se recorda de como começam muitos contos africanos? “Era uma vez, a raposa e a cegonha… era uma vez o coelho e o cágado, …”

Até nomes de pessoas e famílias têm origem em plantas e animais: Os Nguenha, Ngonyamo, Mundlovu... são autênticas marcas da biodiversidade nas nossas famílias e nossa cultura.

Porém, dado que geralmente não é expresso em termos monetários, o seu valor é praticamente difícil de calcular assim como argumentar o que quer que seja a seu respeito. Por exemplo, vem-se chamando atenção para o papel das florestas da bacia do rio Umbeluzi na regulação do ciclo hidrológico, mas ninguém entendeu, até que a crise de água da Região de Maputo se instalou. Naturalmente, faltou chuva, mas a destruição da vegetação ao redor agravou a situação.

Mais ainda, a biodiversidade tem valor para futuras gerações e por isso deve ser conservada. Se olharmos para questões éticas, a biodiversidade tem valor intrínseco: Hoje em dia é comum ouvir debates sobre “igualdades sociais”, sugerindo a necessidade de iguais oportunidades entre os Homens. Raras vezes, ou quase nunca se fala de “igualdade entre espécies” para sugerir que todas as espécies têm os mesmos direitos de existir.
Algumas religiões interpretam a natureza de tal modo que colocam o Homem à imagem de Deus, e todos os outros seres foram feitos para satisfazer as necessidades do Homem. Debates sobre esta matéria levam-nos a sugerir que os outros Seres têm igual direito e não há nada que dá mais vantagem ao Homem. De resto, todos os Seres pertencem a Deus e não ao Homem. O Homem tem apenas a tarefa de os cuidar ([7]).
Assim, filosoficamente, pode-se argumentar que a biodiversidade tem valor estético, cultural e espiritual intrínseco para a humanidade. Esta ideia pode ser usada como um contrapeso à noção que as florestas tropicais e outros reinos ecológicos são somente dignos da conservação por causa dos serviços que fornecem ([8]).

3.3   Ameaças à biodiversidade


Registos existentes desde o ano 1600 indicam que pelo menos 1000 espécies de plantas e animais foram extintas, metade das quais no século XX. Uma perda severa da biodiversidade está a acontecer. O pior é que muita biodiversidade que se está perdendo não é conhecida, e são assim, perdidas oportunidades de utilizá-la para o desenvolvimento sustentável. Estimativas actuais, apontam que no mundo existem cerca de 13.5 milhões de espécies, das quais apenas 1,7 milhões foram descritas apenas, as suas funções ainda não são conhecidas. Por isso, alguns analistas referem que o nosso conhecimento actual da biodiversidade é como se estivéssemos ainda na Idade da Pedra.

3.3.1         Padrões de extracção, acumulação, e consumo

A acção humana é indicada como a maior ameaça à biodiversidade, logo a seguir àquela exercida pelas espécies invasoras. Actualmente, o mundo tem mais de 7 mil milhões de habitantes, e estima-se até 2050 esta atinja 9 mil milhões. Esta população precisa de recursos naturais para satisfazer as suas necessidades da vida. Isso significa desbravar mais florestas para fazer mais machambas para produzir alimentos, abater árvores para produzir madeira, destruir ecossistemas sensíveis para construir cidades, entre outros.
Não estou assim a culpar o crescimento populacional pela perda de biodiversidade, mas estou a dizer que os padrões de extracção, acumulação e consumo de recursos naturais em geral não se mostram sustentáveis a longo prazo.
A exploração dos recursos biológicos para uso humano tem gerado controvérsia, e a sua sustentabilidade muitas vezes é questionada. Alguns sustentam que não sendo economicamente viável geri-los de forma sustentada, o melhor é a opção “imediatista” onde os mesmos são explorados até à exaustão, e investir o dinheiro ganho em outros sectores. Mais ainda, estes analistas remetem para os investigadores a solução dos problemas futuros que possam resultar do esgotamento dos recursos biológicos, e procuram apresentar uma visão optimista dizendo que “a investigação está a trabalhar em soluções alternativas”. Entretanto, esquecem-se que a biodiversidade é um recurso não substituível e o seu valor é evidente quando a exploração é feita dentro dos limites de reprodução.
Em 2013, uma equipe de investigadores da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da UEM, liderada pelo Prof. Andrade Egas, revelou que a exploração de madeira em Moçambique já havia passado os limites de sustentabilidade, chamando assim, a atenção sobre a necessidade de se tomarem medidas para reverter a situação. Algumas medidas tomadas recentemente pelo Governo de Moçambique, que incluem o banimento da exploração do pau-ferro, e da exportação da madeira em toros, foram em resposta a esta chamada de atenção.

3.3.2        Caça furtiva

Entre 2010 e 2014, mais de 10 mil elefantes foram mortos na Reserva Nacional de Niassa, uma das maiores reservas naturais de Moçambique, e quantidades cada vez mais elevadas de marfim foram vendidas num crescente número de lojas na China. Uma reportagem da Deutche Welle refere que a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa, está a ameaçar o turismo, com os caçadores furtivos a afugentar os turistas que se deslocam à região para fazer turismo cinegético ou fotográfico em zonas delimitadas. O Parque Nacional das Quirimbas é outro foco de caçadores furtivos, tal que em 2012, em cada 2 elefantes vistos, um era uma carcaça.
Os preços do marfim, assim como do corno de rinoceronte, no contrabando tornaram-se astronómicos, fazendo com que caçadores furtivos internacionais e grupos armados agudizassem as suas investidas. O preço do marfim bruto está cerca de 2100 USD/kg e o corno do rinoceronte pode chegar a 60 mil USD/kg no mercado negro na Asia. A WWF estima que a caça furtiva pode ter levado o rinoceronte à extinção em Moçambique.
O desafio consiste em encontrar uma forma alternativa de valorizar a biodiversidade, que não seja extractiva. No Kenya, por exemplo, foi estimado que um elefante pode gerar cerca de 1 milhão USD durante a sua vida inteira em receitas de turismo, mas o marfim resultante do abate de um elefante, quando vendido, não passa dos 15.000 USD. Conseguir isso exige um esforço concertado e cometimento onde a conservação, a transparência, a responsabilização, a inclusão e a partilha de benefícios são princípios orientadores, para que a receita gerada através do turismo sustentável seja canalizada para aqueles que incorrem com os custos de conservação ([9]).

3.3.3        Desmatamento

O desmatamento de florestas tropicais, reconhecidas como centros de elevada biodiversidade no planeta, é tido como um dos principais fenómenos de perda de biodiversidade nos últimos tempos. O nível de perda só pode ser comparável ao do período Cretáceo (há 65 milhões de anos), quando desapareceram os dinossauros. A National Geographic estima que cerca de 70% das plantas e animais vivem nas florestas, e a destruição do habitat pode levar essas espécies à extinção ([10]). A FAO estima em cerca de 3.3 milhões de hectares (um pouco mais que o tamanho da província de Maputo) de floresta que se perdem por ano no mundo ([11]). Esta destruição não só resulta na perda de funções da biodiversidade, mas também contribui para o agravamento das mudanças climáticas, um fenómeno que hoje preocupa a humanidade.
A perda de biodiversidade resulta na perda de capital natural que fornece bens e serviços ecossistêmicos, sendo assim, um factor de risco significativo no desenvolvimento de negócios, e do turismo em especial, e uma ameaça para a sustentabilidade econômica de longo prazo.
Em 2013, pesquisadores do CIFOR publicaram um relatório que revelava perdas na ordem de milhares de USD por ano por exploração ilegal de madeiras em Moçambique. O mesmo veio a ser confirmado num outro estudo feito pela WWF Moçambique em 2015 que indicava não apenas que se tenha perdido 540 milhões de USD entre 2003 e 2013 no negócio ilegal de madeiras, mas também que funcionários do Estado e comunidades locais estavam envolvidos na facilitação da fuga ao fisco.
Em Dezembro de 2016, a imprensa nacional apresentou notícias ainda chocantes que mostravam que dentro da Reserva Nacional de Gilé, na Zambézia, uma área natural com alta biodiversidade e um elevado potencial turístico, as comunidades locais cortavam e vendiam a madeira ilegalmente, alegadamente porque havia seca e as machambas não estavam a produzir o suficiente para a geração de renda. Isso mostra o quão grave pode resultar a falta de valorização da biodiversidade e a falta de alternativas para a redução da pobreza rural. As redes internacionais de exploradores ilegais e caçadores furtivos podem agravar ainda mais estes impactos.
Jared Diamond (2005) analisando as causas do colapso das sociedades, refere que a falta de uma gestão sustentável de recursos naturais, particularmente os biológicos, pode estar na base do colapso do império Maya no Sul do México e da sociedade Rapa Nui das Ilhas de Páscoa.

3.4   Conservação e valorização da biodiversidade

Em reconhecimento da situação crítica da perda de biodiversidade, nos anos 90 foi instituída a Convenção da Diversidade Biológica (CBD), a maior iniciativa na qual os governos de vários países do mundo, incluindo Moçambique, se comprometem a tomar medidas para a conservação da biodiversidade.
A Convenção da Biodiversidade proclamou o período 2011-2020 como a Década Internacional da Biodiversidade – com vista a contribuir para a implementação do Plano Estratégico da Biodiversidade 2011-2020. Os objectivos principais desta década são: (a) Fornecer um quadro flexível para a implementação do Plano Estratégico de Biodiversidade 2011-2020 e das Metas de Aichi para a Biodiversidade; (b) Apoiar e orientar as organizações regionais e internacionais com um papel na implementação do Plano Estratégico e na consecução das Metas; (c) Continuar a sensibilizar o público para as questões da biodiversidade ([12]).
A Organização Internacional do Turismo participou na 13ª Conferência das Partes (COP13) da Convenção de Biodiversidade, que teve lugar em Cancún, México, em Dezembro de 2016, e ambas as organizações acordaram na cooperação pelo reconhecimento de benefícios mútuos que podem resultar da sua interacção: a biodiversidade contribui para o turismo e este por sua vez contribui para a conservação da biodiversidade.
O grande desafio da valorização da biodiversidade é que enquanto não lhe colocarmos um valor monetário, fica difícil avaliar o custo de oportunidade. Enquanto não entrar nas contas nacionais não entra nos indicadores de desenvolvimento.

4.      Turismo como forma de valorização da biodiversidade

O turismo é uma das formas mais fáceis de atribuir um valor à biodiversidade, estabelecendo um preço de entrada aos parques e reservas naturais, que representa o custo de conservar a natureza. De facto, o valor atribuído significa que disfrutar da natureza e contemplar paisagens lindas, ouvir o canto dos pássaros, e fotografar um animal carismático tem um valor que pode ser expresso monetariamente.
A nível global, o turismo foi o principal agente de crescimento económico e principal contribuinte na criação de emprego, redução de pobreza, conservação do ambiente, a paz e entendimento multicultural. Nessa base, a Organização Internacional do Turismo criou o Comité para o Turismo Sustentável, com a finalidade de monitorar o desenvolvimento sustentável do turismo, incluindo o ecoturismo para a erradicação da pobreza e conservação do ambiente como um elemento principal.
A biodiversidade enriquece actividades de lazer como caminhadas, observação de pássaros ou estudo de história natural. Muitas culturas vêem-se como uma parte do mundo natural, criando assim hibridação entre valores culturais e naturais, enriquecendo os elementos turísticos.

4.1   Turismo ecológico

Os parques nacionais são talvez a forma mais comum de conservação da natureza que proporciona oportunidades para o turismo. Quando em 1872, o Yellowstone National Park, o primeiro parque nacional do mundo, foi criado, com o objectivo de se tornar num “espaço público de lazer para o benefício e diversão do povo” e representou o inicio de uma nova Era por ter permitido a valorização da terra pela sua beleza cénica, ao invés de a transformar em área agrícola, habitacional ou industrial.
Hoje, existem mais de 14,800 parques nacionais em mais de 100 países e acredita-se que os mesmos, co-geridos de forma participativa, sejam a forma mais efectiva de conservação da biodiversidade. Desta forma, os parques nacionais e o turismo estabeleceram uma aliança na promoção do desenvolvimento do turismo e na conservação da biodiversidade.
Um estudo realizado pelo Instituto Semeia (do Brasil) em 2015 sobre o turismo e os parques nacionais no Brasil e Estados Unidos da América ([13]) revelou que em 92% dos parques, a biodiversidade e os recursos naturais eram mantidos pelo turismo. O estudo mostrou ainda que o uso público contribuiu para a educação ambiental dos visitantes, para além de ter ajudado na diminuição de actividades ilegais dentro dos parques, como caça, desmatamento e incêndios. Tais resultados sustentam a hipótese do uso dos parques como instrumentos da conservação da natureza e também da geração de oportunidades de emprego, renda, lazer e saúde para a sociedade.
 O turismo nos parques nacionais aumentou consideravelmente ao longo do tempo. O termo “parque nacional” é percebido como uma marca registada que está associada ao turismo baseado na natureza e simboliza "um ambiente natural de alta qualidade e uma infraestrutura turística bem projectada".
A Estratégia e Plano de Acção para a Conservação da Diversidade Biológica de Moçambique (2015-2035), estabelece as directrizes para a valorização da biodiversidade, entretanto, ainda existe muita biodiversidade ameaçada que se encontra fora das Áreas de Conservação. Por seu lado, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento ([14]) indica o “turismo ecológico, cultural e histórico”, como uma das 4 áreas prioritárias, e chama atenção para a necessidade de políticas e acções de apoio a este sector.

5.      As potencialidades e desafios do turismo sustentável em Moçambique

José de Albuquerque, economista e homem de negócios, uma vez disse: “Moçambique está condenado a ser um destino turístico”. Porém há algumas questões, as quais muitos estudiosos da matéria coincidem em dizer que o país precisa despertar esse potencial adormecido e transformá-lo em riqueza e base para o desenvolvimento sustentável. Com efeito, há 10 anos, o Professor Jorge Ferrão, depois de verificar que o turismo chegou a ser a segunda maior fonte de investimento estrangeiro directo (atrás do sector dos transportes), e contribuía muito mais que a agricultura e a indústria, para além do seu potencial para um desenvolvimento inclusivo, com a participação de PME e comunidades locais, sugeriu que o país precisava de um governo pro-turismo e criar espaço adequado para que este de facto prospere.

5.1   Biodiversidade marinha e costeira

As praias de águas limpas e transparentes e quentes favorecem o turismo de mergulho para a contemplação da riqueza da biodiversidade marinha incluindo alguns ícones da fauna marinha tais como o tubarão-baleia, a raia-manta, os golfinhos, tartarugas marinhas, entre outros. Quem testemunha são os Bitonga Divers, da praia do Tofo, em Inhambane que numa entrevista a um órgão de informação, disseram: “O Tofo sem turismo não existiria. O Tofo depende em 90% do turismo".
Moçambique conta com cerca de 500 espécies de animais marinhos, uma rica biodiversidade descoberta no âmbito de uma pesquisa levada a cabo num cruzeiro realizado em 2016. Os resultados divulgados desse estudo revelam que foram identificadas três espécies novas (não previamente identificadas no mundo), bem como foram descobertas cerca de 30 espécies de peixes que ainda não tinham sido encontradas no país, embora já tinham sido encontrados noutros países. ([15])
Porém, os números divulgados pela Associação Moçambicana de Megafauna Marinha, indicam que na última década, as populações de tubarões-baleia sofreram um declínio de 79%, enquanto as raias-manta perderam 88% da sua população. Entre os vários factores que contribuem para o declínio das populações, destaca-se as redes de malha fina, caracterizadas como "uma grande ameaça” para estes gigantes marinhos. ([16])
A criação de uma Área de Protecção Ambiental nas Ilhas Primeiras e Segundas, no norte de Moçambique, em 2012, tornando assim esta área na maior reserva marinha de África, representou um passo importante na protecção dos ecossistemas marinhos. Os arquipélagos das ilhas Primeiras e Segundas são reconhecidos por possuir uma elevada biodiversidade, e constituírem um ambiente marinho com potencialidades para o desenvolvimento do turismo costeiro ([17]).
Nas últimas duas décadas houve alguns investimentos no turismo de sol e praia, entretanto, em 2006, José de Albuquerque dizia que “esse turismo não era resultado de um processo organizado e planificado, mas da existência simultânea de boas praias, de vazio regulador, e de um cabritismo que se alimenta dos labirintos burocráticos…” Com efeito, passados mais de 10 anos, o sector privado ainda continua a queixar-se dos mesmos problemas, da “fraca efectividade e falta de enfoque” de instituições públicas que não deixam o sector do turismo ganhar competitividade na região e no mundo ([18]).

5.2   Biodiversidade terrestre

Moçambique já foi um destino turístico de referência no continente Africano, pelo seu famoso Parque Nacional de Gorongosa. Estabelecido em 1920 como Reserva de Caça, e convertido a Parque Nacional em 1960, este chegou a receber pouco mais de 22,000 turistas em 1972. Durante a guerra civil, as infraestruturas do parque foram destruídas e as populações de fauna foram dizimadas e reduzidas em mais de 90%. Nos anos 90 reiniciou a reabilitação e o repovoamento do parque, sendo que o número de turistas voltou a aumentar, tendo chegado a 7,000 turistas em 2011.
A combinação de turismo do interior baseado na fauna bravia, dunas espectaculares e turismo de costa/praia é um dos principais atractivos de Moçambique. Áreas tais como a Reserva Especial de Maputo, a Reserva Marinha da Ponta do Ouro, são exemplos típicos dessa combinação.
A criação dos Parques Nacionais de Limpopo e das Quirimbas da década passada constituiu um passo gigantesco não apenas na conservação de biodiversidade, mas também da promoção do turismo. Porém, não basta decretar áreas de conservação, é preciso reforçar as medidas para que estas realizem o seu papel.
Os parques nacionais Moçambicanos têm desafios próprios, particularmente pelo facto destas albergarem populações residentes dentro. O conflito entre o uso de subsistência e a conservação leva em alguns casos a conflitos homem-fauna-bravia, criando assim, percepções divergentes sobre o sentido e a importância dos Parques e outras áreas de conservação.
A economia local das populações rurais mais pobres depende estritamente da biodiversidade e pode contribuir em até cerca de 100%. O cenário actual, caracterizado pela pobreza e a falta de oportunidades de geração de renda nas zonas rurais, leva a que muitas pessoas recorram à exploração ilegal e não sustentável de recursos faunísticos e florísticos. Nisso, os furtivos aproveitam-se da fragilidade das instituições e da facilidade com que esses mesmos recursos podem ser explorados.
Conciliar os objectivos de conservação e de subsistência passa necessariamente por um relacionamento harmonioso entre os agentes de conservação e as comunidades locais. Conseguir esse relacionamento traz vantagens para as próprias comunidades residentes, pois encontram nisso oportunidades de emprego e alternativas de utilizar a biodiversidade de forma sustentável.
A caça desportiva é considerada uma das mais eficientes formas de valorização e conservação da fauna bravia e que inclui as populações locais. Em Moçambique, a caça desportiva começou a ganhar forma nos anos 60, tendo sido classificada como uma das melhores de África, devido a sua elevada qualidade de troféus, e atraiu personalidades importantes tais como príncipes, presidentes, generais, empresários, astronautas, jogadores.
Parcerias “público-privadas” e “público-privado-comunidade” têm sido modelos de gestão das áreas de conservação que tem dado melhores resultados. As Coutadas Oficiais em Manica e Sofala, e as áreas de conservação comunitárias tais como Tchuma-Tchato, em Tete e Chipanje-Chetu, em Niassa, são exemplos desses modelos. Estas áreas não só mobilizam recursos e movimentam turistas, como também criam oportunidades de emprego e desenvolvem infraestruturas que beneficiam as populações nas localidades onde operam. Em parte, estas iniciativas ajudaram a reduzir a caça ilegal, adicionando valor à biodiversidade e promovendo a partilha de benefícios com as comunidades locais.

5.3   O atractivo turístico só pode ser consumido no local

O produto do turismo, a atracção turística, está sempre em promoção. Sempre tem que ser consumido no lugar. Por isso o turista tem que viajar para junto do atractivo e disfrutá-lo lá. Regressa a casa apenas com recordações (fotografias, souvenirs, e memórias).
Pelo facto de que o turista não é residente do local, isso implica que condições de acesso e hospedagem têm que estar instaladas para que o turismo tenha lugar. A viagem, a gastronomia e a dormida são partes integrantes do turismo. Noutras palavras, o turismo precisa de serviços públicos básicos como água potável, energia, vias de acesso e comunicação, assim como investimentos privados em infraestrutura de acomodação e restauração, bem como a participação das populações locais. Sendo parte integrante, não há como pensar num turismo apenas enfocando no atractivo paisagístico ou na biodiversidade lá existente, mas é preciso pensar no conjunto todo.
O turismo estimula, assim, o crescimento de outros sectores garantindo a participação de pequenas e médias empresas. Tudo isso implica a integração dos elementos locais, exigindo para o efeito, o treinamento de jovens e tomando em consideração questões de gênero para apoio ao turismo. A valorização do conhecimento local, incluindo a história e riqueza cultural e natural são necessários para apoiar o desenvolvimento do turismo. Exemplos concretos que podem ser citados são as vilas comunitárias na Swazilândia e África do Sul, onde os turistas vão experimentar a cultura local e os lodges comunitários em Moçambique. Esses exemplos representam oportunidades para alavancar o turismo sustentável baseado nas comunidades.

6.      Notas conclusivas

6.1   A biodiversidade e o turismo têm um potencial muito grande, mas ainda pouco conhecido em Moçambique

O turismo e a biodiversidade são aliados naturais e têm ganhos mútuos! Numa altura em que a biodiversidade está em crise, o uso não extrativo ou de pouca intensidade, através do turismo sustentável representam uma base importante para a conservação da biodiversidade e com esta os outros co-benefícios. A criação da ANAC[19] em 2011 e a mobilização de fundos internacionais através de iniciativas como a MozBio e a Fundação Biofund têm em vista a potenciação desta aliança entre o turismo, a biodiversidade e a educação ambiental.
Em Moçambique, cerca de 26% do território nacional está sob 24 áreas de conservação, em forma de parques nacionais, reservas nacionais, coutadas oficiais e áreas comunitárias de caça – todas elas com um elevado potencial para o turismo, mas a avaliação do seu desempenho mostra que estas áreas precisam de uma transformação.

6.2   A UEM tem responsabilidades acrescidas na conservação de biodiversidade para um turismo sustentável

O turismo só será de facto sustentável se novos paradigmas de desenvolvimento forem adoptados. A procura constante do equilíbrio entre aspectos sociais, ambientais e económicos requer habilidades de observações sistemáticas de longo prazo, com vista a perceber os impactos de políticas e a procurar soluções alternativas para que o desenvolvimento do sector do turismo e a conservação da diversidade biológica sejam feitos de maneira inclusiva e contribuam para a redução da pobreza. Para além do interesse turístico, as áreas de conservação têm importância científica. Elas são autênticos campos experimentais para a investigação da biologia e ecologia, a formação, treinamento e educação de técnicos qualificados, e o público em geral.
Uma universidade de investigação como é a UEM, tem uma responsabilidade acrescida na liderança na pesquisa nesta área. Acredito que é chegado o tempo de pensar num “laboratório de biodiversidade” e porque não um “laboratório de desenvolvimento sustentável” para a testagem de teorias, teorização do conhecimento local, produção e gestão de conhecimento sobre o capital natural biológico e a sua valorização integrada.
Com efeito, a UEM já vem assumindo esse papel, e como reconhecimento disso, é a existência de diversos programas de investigação e ensino nas áreas de biodiversidade marinha, costeira e terrestre e turismo sustentável em diferentes Faculdades e Escolas. Recorde-se que a UEM foi designada Autoridade Científica da CITES ([20]), com as funções de aconselhar e assistir a Autoridade Administrativa bem como formar e consciencializar o público sobre o comércio internacional de espécies ameaçadas ou em perigo.

6.3   A UEM tem um papel preponderante na formação de técnicos qualificados capazes de gerar o autoemprego

Não há dúvida que os quadros formados na UEM são de reconhecido mérito, mas precisam ir um pouco além e encontrarem formas inovadoras de geração de emprego. Como foi referido, o turismo é um dos sectores com maior crescimento e capacidade de geração de emprego, sendo que os graduados da UEM podem dar ao turismo um cunho mais moderno, de alto padrão, eficiente, e institucionalizado, e desta forma catapultar o turismo e ao mesmo tempo promover a valorização e conservação da biodiversidade. Por outro lado, o sector privado clama por profissionais de hotelaria e turismo com o saber fazer coisas do dia-a-dia, incluindo arrumar camas, servir na mesa, abrir uma garrafa de vinho, entre outras. Isso sugere que há um espaço que a UEM pode explorar, com enfoque em cursos de formação técnico-profissional, cursos de curta duração, cursos sem grau superior, cursos de reciclagem, que satisfaçam esta procura. Destaca-se aqui o papel da Escola Superior de Hotelaria e Turismo de Inhambane.

Para terminar:
Como diz um amigo meu: ter um pau, não é ter uma escultura, é preciso saber o que se pode esculpir, e é preciso saber esculpir. Eu quero usar essa frase para dizer que ter potencial turístico não é ter turismo, é preciso planificar e investir. A UEM tem um papel de desenvolver o conhecimento e ensinar essa transformação.
Magnífico Reitor,
Excelências,
Caros convidados,
Muito obrigado pela atenção.



[1] Professor Catedrático, Ecologia e Silvicultura de Florestas Naturais, Universidade Eduardo Mondlane
[2] http://www2.unwto.org/tourism4development2017
[3] http://cf.cdn.unwto.org/sites/all/files/pdf/annual_report_2015_lr.pdf
[4] Tourism statistics – Mozambique 2015
[5] http://cf.cdn.unwto.org/sites/all/files/pdf/annual_report_2015_lr.pdf
[6] Gaston and Spicer 1998
[7] Gaston and Spicer 1998
[8] UNWTO, 2016
[9] http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/environment/handbook-of-market-creation-for-biodiversity_9789264018624-en#page74
[10] http://www.livescience.com/27692-deforestation.html
[11] http://www.livescience.com/27692-deforestation.html
[12] http://www.fao.org/biodiversity/international-decade-on-biodiversity/en/
[13] http://www.semeia.org.br/admuploads/uploads/download.php?doc=Novembro_2_Turismo_Parques_Nacionais_conserva%C3%A7%C3%A3o_Biodiversidade_final.pdf&tp=3&id=22
[14] http://www.mpd.gov.mz/index.php/documentos/instrumentos-de-gestao-economica-e-social/estrategia-nacional-de-desenvolvimento/576--55/file?force_download=1
[15] http://jornalnoticias.co.mz/index.php/ciencia-e-ambiente/44020-mocambique-pesquisa-anuncia-500-especies-marinhas
[16] http://www.dw.com/pt-002/tubar%C3%A3o-baleia-e-manta-raia-em-mo%C3%A7ambique-est%C3%A3o-a-desaparecer/a-18523446
[17] http://www.wwf.org.mz/?1183/Moambique-cria-a-maior-Reserva-Marinha-de-frica
[18] Relatório da FEMOTUR apresentada ao Presidente da República em 2016
[19] Administração Nacional de Áreas de Conservação
[20] Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de fauna e flora