O Silvicultor foi convidado a proferir a aula de sapiência por ocasião da abertura do ano lectivo de 2017 na Universidade Eduardo Mondlane. O evento teve lugar no Centro Cultural da UEM no dia 24 de Fevereiro de 2017. A seguir está, na íntegra, o texto da aula:
Conservando
e valorizando a biodiversidade para promover o turismo sustentável
Almeida
Sitoe,
24 de Fevereiro de 2017
Saudações
e Agradecimentos
Sua Excelência Ministro de Ciência
e Tecnologia, Ensino Técnico e Profissional,
Magnífico Reitor da Universidade
Eduardo Mondlane,
Excelentíssimos Senhores
Vice-Reitores,
Excelentíssimos membros do Estado e
do Governo de Moçambique
Excelentíssimos Membros dos Órgãos Colegiais da
Universidade Eduardo Mondlane,
Digníssimos convidados,
Caros Docentes, membros do Corpo
Técnico e Administrativo,
Caros Estudantes,
É para mim uma grande honra estar
perante magna audiência, para compartilhar esta análise de assuntos complexos
como são a conservação da biodiversidade e a promoção do turismo sustentável.
Com efeito, cada um destes temas daria perfeitamente para uma dissertação, mas
o Magnífico Reitor desafiou-me a encontrar os pontos comuns de ambos. Não foi
tarefa fácil pois a tentação de expandir cada um dos temas na sua complexa
dimensão era grande. Nesse exercício de encontrar aspectos comuns, sugeri o
tema que vou aqui apresentar: “Conservando e valorizando a biodiversidade para
promover o turismo sustentável”.
Agradeço o desafio que me foi
colocado.
Obrigado Magnífico Reitor!
1.
Introdução
1.1
Ano Internacional do Turismo
As Nações Unidas decretaram 2017
como o Ano Internacional de Turismo Sustentável para o Desenvolvimento (AITS) (). Esta
apresenta-se como uma oportunidade única para a consciencialização pública
sobre a contribuição do turismo para o desenvolvimento sustentável, com
enfoque, no sector privado e tomadores de decisão, ao mesmo tempo para a
mobilização de todas as partes interessadas, para fazer do turismo um
instrumento de mudança positiva. O ano internacional de turismo sustentável
para o desenvolvimento visa: (a) o crescimento económico inclusivo e
sustentável, (b) a inclusão social, emprego e redução da pobreza, (c) a
eficiência no uso dos recursos, protecção do ambiente e adaptação às mudanças
climáticas, (d) os valores culturais, diversidade e património, e (e) a
compreensão mútua, paz e segurança.
“Turismo sustentável” é o acto de
visitar um lugar, como turista, e causar apenas um impacto positivo sobre o
ambiente, a sociedade e a economia. Esta definição deriva do conceito de “desenvolvimento
sustentável”, que tem três pilares: o económico, o social e o ambiental. Manter
o equilíbrio destes três pilares não é um processo fácil e representa um
desafio, não apenas do sector do turismo, mas de todos os sectores de
desenvolvimento.
Enquanto no Século 18 Malthus e van
Leeuwenhoek já se preocupavam com os limites dos ecossistemas na provisão de
bens e serviços para a humanidade, apenas nos anos 80 se começou a tomar a
consciência de que o desenvolvimento económico não pode ser sustentável, se não
forem consideradas as limitações ambientais, sobretudo as biológicas, por um
lado; por outro lado, também cresceu a consciência de que o desenvolvimento
apenas será sustentável se tomar em conta a satisfação social, particularmente
a participação e inclusão de todos os actores da sociedade.
1.2
Objectivos
O objectivo desta apresentação é analisar
como é que o sector do turismo pode explorar a componente ambiental para
promover o seu crescimento sustentável. Reconhecendo que as questões ambientais
apenas estão entrando na análise do desenvolvimento, irei procurar focalizar a
minha apresentação sobre a biodiversidade (uma componente importante do
ambiente), analisando sobretudo a sua importância no desenvolvimento do turismo
bem como a forma como o turismo pode promover a valorização destes recursos
insubstituíveis, cujo valor é pouco reconhecido.
2.
Turismo sustentável
No contexto dos Objectivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Ano Internacional do Turismo Sustentável
tem a finalidade de promover mudanças nas políticas, práticas de negócios e
comportamento dos consumidores para que o sector de turismo seja mais
sustentável e possa contribuir particularmente para os Objectivos 8, 12 e 14,
nos quais o turismo é explicitamente chamado.
Em 2015, Banki-moon, o então Secretário-geral
das Nações Unidas, disse o seguinte, durante a Conferência da Organização
Internacional do Turismo:
“Com mais de mil milhões de turistas internacionais viajando pelo mundo
em cada ano, o turismo tornou-se num poder de transformação para a vida de
milhões de pessoas que vivem desse negócio. O potencial para o turismo
contribuir para o desenvolvimento sustentável é considerável. Como um dos
sectores que mais contribuem para a geração de emprego, o turismo proporciona
inúmeras oportunidades para o sustento de várias famílias, contribuindo assim
para o alívio à pobreza e promovendo o desenvolvimento inclusivo.”
2.1
Contribuição do turismo na economia
De acordo com o último relatório
anual da Organização Internacional do Turismo, o turismo mundial, contribuiu
com cerca de 1,5 biliões de USD por ano (10% do PIB global) sendo, por isso, o
terceiro maior sector em termos de volume de exportações, depois do sector de
combustíveis e produtos químicos. O sector do turismo mostrou uma tendência
sempre crescente, e estima-se que este aumentou de 500 milhões para 1200
milhões de turistas entre 1995 e 2015, sendo que o continente Africano recebeu apenas
5% desses turistas (UNWTO 2016).
Estes números além de representarem
um crescimento económico, indicam a contribuição que o turismo pode desempenhar
nos principais desafios mundiais tais como o crescimento sócio-económico,
desenvolvimento inclusivo e conservação do ambiente. ()
Em Moçambique, o sector do turismo
teve um crescimento de 300 mil para perto de 2 milhões turistas internacionais
por ano entre 2001 e 2012, antes do início da tensão político-militar na região
Centro do país. Com esse movimento turístico, estima-se que se tenha gerado
receitas que variaram entre 50 a 228 milhões de USD por ano, entre 2001, e
2013, o que representa entre 4.7 a 7.8% das exportações nacionais ().
2.2
O que os turistas procuram afinal?
Os turistas procuram tranquilidade
acima de tudo. Querem sair da rotina e encontrar diversão e aventura; querem
experimentar coisas novas ou raras; procuram beleza na paisagem, um ambiente
não degradado, cultura, culinária e arquitectura local. Mas os turistas só irão
a um lugar se esse lugar oferecer segurança e conforto. Quando o turista chega
ao sítio e diz “WOW!”, isso representa a sua satisfação e essa memória é
gravada como “bom momento” para recordações futuras.
Os turistas conferem a informação
antes de se decidirem por um destino turístico. Qualquer sinal de
intranquilidade, insegurança, corrupção ou extorsão pode afugentá-los. Assim, a
percepção que o mundo exterior tem sobre o destino conta muito. Nisso, a
informação e a propaganda desempenham um papel extremamente importante.
Enquanto a Europa, que constitui o
destino de mais da metade dos turistas do mundo, devido aos monumentos, museus,
e outras obras arquitectónicas (p.e. a Torre Eiffel em Paris, o Palácio Real em
Londres, a Basílica de São Pedro no Vaticano, entre outros), os maiores
atractivos dos turistas no continente Africano são os “monumentos naturais”,
como diria Alexander von Homboldt: as praias, as florestas, as montanhas, os
vales e as cascatas, a fauna selvagem (p.e. das manadas de boi-cavalo de
Serengueti, os elefantes do Kruger, os leões da Gorongosa, entre outros).
A Organização Internacional do
Turismo reconhece o papel da vida selvagem Africana no turismo internacional,
sendo que nessa base, iniciou esforços para o aumento do conhecimento sobre o
valor económico da visitação da fauna bravia africana no turismo, e o
envolvimento do turismo em acções contra a caça ilegal. O relatório produzido
pela WWF nesse sentido, refere que a visitação da fauna bravia representa 80%
das vendas de viagens para África. As espécies de fauna mais ameaçadas pela
caça furtiva, tais como o elefante e o rinoceronte estão entre os motivos das
visitas mais populares ().
Esse conjunto de monumentos
naturais, que constituem atractivo turístico no continente Africano, são parte das
manifestações de formas de vida na terra, ou biodiversidade.
3.
A biodiversidade
3.1
Conceito
Biodiversidade
é: “a variação e a variabilidade entre os
seres vivos de todas as formas incluindo, entre outros, os ecossistemas terrestres,
marinhos, e outros sistemas aquáticos, e o complexo ecológico da qual são
parte; esta inclui ainda a variação dentro de espécies, entre espécies e entre
ecossistemas”.
Esta
definição é complexa e percebê-la é ainda mais complexo. Tentativas de explicar
o seu âmbito levam à necessidade de definir os limites das suas componentes, o
que até aqui apenas é feito de forma simplificada para facilitar a
interpretação. Hoje, reconhece-se que essa tarefa não é fácil, especialmente
para organismos de pequenas dimensões, bem como na componente da diversidade
genética onde apenas muito recentemente as técnicas de sequenciamento molecular
foram desenvolvidas. Dada esta complexidade, reconhece-se que, nas condições
actuais, nunca saberemos quanto é a biodiversidade de um dado lugar. Contudo, assumindo
que existe uma correlação forte entre os elementos da biodiversidade (genética,
específica e ecossistémica) toma-se como referência a diversidade de espécies
como indicador principal, sem contudo, querer dizer que as outras componentes
são menos importantes. Ainda assim, Charles Darwin refere que o processo de surgimento
de novas espécies é contínuo e é parte do processo de evolução, e portanto, os
limites e a diferenciação entre espécies nem sempre são óbvios.
3.2
Valor da biodiversidade
Geralmente
referimos ao valor de uma coisa pelo seu valor monetário ou valor de mercado. A
biodiversidade tem um valor incalculável, que muitas vezes não conseguimos
expressar monetariamente.
O valor de uso directo refere-se ao
valor de mercado do produto extraído dos recursos biológicos. Entre estes
recursos encontram-se alimentos, plantas e animais medicinais, materiais
industriais, recreação e ecoturismo. A madeira, por exemplo, constitui um
volume de negócio de mais de 600 mil milhões de USD por ano, a nível global,
sem contar com os usos locais não contabilizados ().
No mês passado (Janeiro de 2017), a WWF publicou um relatório que revela que o Valor
Anual do Oceano Índico Ocidental, do qual a costa Moçambicana faz parte, é
estimado em 333,8 milhões de USD, dos quais cerca de 40% são derivados do
Turismo costeiro e marítimo.
Na
medicina moderna muitos dos medicamentos são produzidos por produtos químicos
em empresas farmacêuticas, mas as fórmulas originais vêm de plantas. Por
exemplo, nos anos 90 o tratamento da leucemia teve importantes avanços graças à
descoberta de um poderoso alcaloide derivado do beijo-de-mulata (Catharanthus roseus), uma planta nativa
de Madagáscar, mas que também ocorre com frequência no nosso país como
ornamental.
Para
além do valor de mercado, a biodiversidade tem o valor de uso indirecto e o valor de não uso. Estes valores incluem
os serviços como a conservação de solos, reciclagem de nutrientes, regulação do
ciclo hidrológico, regulação do microclima, controlo biológico de pragas,
polinização de culturas agrícolas, entre outros. As paisagens, plantas e
animais inspiram os artistas, escritores, políticos, filósofos, e influenciam a
nossa maneira de viver e ver o mundo.
Quem
não se recorda de como começam muitos contos africanos? “Era uma vez, a raposa e a cegonha… era uma vez o coelho e o cágado, …”
Até
nomes de pessoas e famílias têm origem em plantas e animais: Os Nguenha,
Ngonyamo, Mundlovu... são autênticas marcas da biodiversidade nas nossas
famílias e nossa cultura.
Porém,
dado que geralmente não é expresso em termos monetários, o seu valor é
praticamente difícil de calcular assim como argumentar o que quer que seja a seu
respeito. Por exemplo, vem-se chamando atenção para o papel das florestas da
bacia do rio Umbeluzi na regulação do ciclo hidrológico, mas ninguém entendeu,
até que a crise de água da Região de Maputo se instalou. Naturalmente, faltou
chuva, mas a destruição da vegetação ao redor agravou a situação.
Mais
ainda, a biodiversidade tem valor para futuras gerações e por isso deve ser
conservada. Se olharmos para questões éticas, a biodiversidade tem valor intrínseco: Hoje em dia é comum
ouvir debates sobre “igualdades sociais”, sugerindo a necessidade de iguais
oportunidades entre os Homens. Raras vezes, ou quase nunca se fala de “igualdade
entre espécies” para sugerir que todas as espécies têm os mesmos direitos de
existir.
Algumas
religiões interpretam a natureza de tal modo que colocam o Homem à imagem de
Deus, e todos os outros seres foram feitos para satisfazer as necessidades do Homem.
Debates sobre esta matéria levam-nos a sugerir que os outros Seres têm igual
direito e não há nada que dá mais vantagem ao Homem. De resto, todos os Seres
pertencem a Deus e não ao Homem. O Homem tem apenas a tarefa de os cuidar ().
Assim,
filosoficamente, pode-se argumentar que a biodiversidade tem valor estético,
cultural e espiritual intrínseco para a humanidade. Esta ideia pode ser usada
como um contrapeso à noção que as florestas tropicais e outros reinos
ecológicos são somente dignos da conservação por causa dos serviços que
fornecem ().
3.3
Ameaças à biodiversidade
Registos
existentes desde o ano 1600 indicam que pelo menos 1000 espécies de plantas e
animais foram extintas, metade das quais no século XX. Uma perda severa da
biodiversidade está a acontecer. O pior é que muita biodiversidade que se está
perdendo não é conhecida, e são assim, perdidas oportunidades de utilizá-la
para o desenvolvimento sustentável. Estimativas actuais, apontam que no mundo
existem cerca de 13.5 milhões de espécies, das quais apenas 1,7 milhões foram
descritas apenas, as suas funções ainda não são conhecidas. Por isso, alguns
analistas referem que o nosso conhecimento actual da biodiversidade é como se
estivéssemos ainda na Idade da Pedra.
3.3.1
Padrões
de extracção, acumulação, e consumo
A acção humana é indicada como a
maior ameaça à biodiversidade, logo a seguir àquela exercida pelas espécies
invasoras. Actualmente, o mundo tem mais de 7 mil milhões de habitantes, e estima-se
até 2050 esta atinja 9 mil milhões. Esta população precisa de recursos naturais
para satisfazer as suas necessidades da vida. Isso significa desbravar mais
florestas para fazer mais machambas para produzir alimentos, abater árvores para
produzir madeira, destruir ecossistemas sensíveis para construir cidades, entre
outros.
Não estou assim a culpar o
crescimento populacional pela perda de biodiversidade, mas estou a dizer que os
padrões de extracção, acumulação e consumo de recursos naturais em geral não se
mostram sustentáveis a longo prazo.
A
exploração dos recursos biológicos para uso humano tem gerado controvérsia, e a
sua sustentabilidade muitas vezes é questionada. Alguns sustentam que não sendo
economicamente viável geri-los de forma sustentada, o melhor é a opção
“imediatista” onde os mesmos são explorados até à exaustão, e investir o
dinheiro ganho em outros sectores. Mais ainda, estes analistas remetem para os
investigadores a solução dos problemas futuros que possam resultar do
esgotamento dos recursos biológicos, e procuram apresentar uma visão optimista
dizendo que “a investigação está a trabalhar em soluções alternativas”.
Entretanto, esquecem-se que a biodiversidade é um recurso não substituível e o
seu valor é evidente quando a exploração é feita dentro dos limites de
reprodução.
Em 2013, uma equipe de
investigadores da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da UEM,
liderada pelo Prof. Andrade Egas, revelou que a exploração de madeira em
Moçambique já havia passado os limites de sustentabilidade, chamando assim, a
atenção sobre a necessidade de se tomarem medidas para reverter a situação.
Algumas medidas tomadas recentemente pelo Governo de Moçambique, que incluem o
banimento da exploração do pau-ferro, e da exportação da madeira em toros,
foram em resposta a esta chamada de atenção.
3.3.2
Caça furtiva
3.3.3
Desmatamento
O desmatamento de florestas
tropicais, reconhecidas como centros de elevada biodiversidade no planeta, é
tido como um dos principais fenómenos de perda de biodiversidade nos últimos
tempos. O nível de perda só pode ser comparável ao do período Cretáceo (há 65
milhões de anos), quando desapareceram os dinossauros. A National Geographic estima que cerca de 70% das plantas e animais
vivem nas florestas, e a destruição do habitat pode levar essas espécies à extinção
().
A FAO estima em cerca de 3.3 milhões de hectares (um pouco mais que o tamanho
da província de Maputo) de floresta que se perdem por ano no mundo ().
Esta destruição não só resulta na perda de funções da biodiversidade, mas
também contribui para o agravamento das mudanças climáticas, um fenómeno que
hoje preocupa a humanidade.
A perda de biodiversidade resulta
na perda de capital natural que fornece bens e serviços ecossistêmicos, sendo
assim, um factor de risco significativo no desenvolvimento de negócios, e do
turismo em especial, e uma ameaça para a sustentabilidade econômica de longo prazo.
Em 2013, pesquisadores do CIFOR
publicaram um relatório que revelava perdas na ordem de milhares de USD por ano
por exploração ilegal de madeiras em Moçambique. O mesmo veio a ser confirmado
num outro estudo feito pela WWF Moçambique em 2015 que indicava não apenas que
se tenha perdido 540 milhões de USD entre 2003 e 2013 no negócio ilegal de
madeiras, mas também que funcionários do Estado e comunidades locais estavam
envolvidos na facilitação da fuga ao fisco.
Em Dezembro de 2016, a imprensa
nacional apresentou notícias ainda chocantes que mostravam que dentro da
Reserva Nacional de Gilé, na Zambézia, uma área natural com alta biodiversidade
e um elevado potencial turístico, as comunidades locais cortavam e vendiam a
madeira ilegalmente, alegadamente porque havia seca e as machambas não estavam
a produzir o suficiente para a geração de renda. Isso mostra o quão grave pode
resultar a falta de valorização da biodiversidade e a falta de alternativas
para a redução da pobreza rural. As redes internacionais de exploradores
ilegais e caçadores furtivos podem agravar ainda mais estes impactos.
Jared Diamond (2005) analisando as
causas do colapso das sociedades, refere que a falta de uma gestão sustentável
de recursos naturais, particularmente os biológicos, pode estar na base do
colapso do império Maya no Sul do México e da sociedade Rapa Nui das Ilhas de
Páscoa.
3.4
Conservação e valorização da
biodiversidade
Em
reconhecimento da situação crítica da perda de biodiversidade, nos anos 90 foi
instituída a Convenção da Diversidade Biológica (CBD), a maior iniciativa na
qual os governos de vários países do mundo, incluindo Moçambique, se
comprometem a tomar medidas para a conservação da biodiversidade.
A Convenção da Biodiversidade proclamou
o período 2011-2020 como a Década Internacional da Biodiversidade – com vista a
contribuir para a implementação do Plano Estratégico da Biodiversidade
2011-2020. Os objectivos principais desta década são: (a) Fornecer um quadro
flexível para a implementação do Plano Estratégico de Biodiversidade 2011-2020
e das Metas de Aichi para a Biodiversidade; (b) Apoiar e orientar as
organizações regionais e internacionais com um papel na implementação do Plano
Estratégico e na consecução das Metas; (c) Continuar a sensibilizar o público
para as questões da biodiversidade ().
A Organização Internacional do
Turismo participou na 13ª Conferência das Partes (COP13) da Convenção de
Biodiversidade, que teve lugar em Cancún, México, em Dezembro de 2016, e ambas as
organizações acordaram na cooperação pelo reconhecimento de benefícios mútuos que
podem resultar da sua interacção: a biodiversidade contribui para o turismo e este
por sua vez contribui para a conservação da biodiversidade.
O grande desafio da valorização da
biodiversidade é que enquanto não lhe colocarmos um valor monetário, fica
difícil avaliar o custo de oportunidade. Enquanto não entrar nas contas
nacionais não entra nos indicadores de desenvolvimento.
4.
Turismo como forma de valorização da
biodiversidade
O turismo é uma das formas mais
fáceis de atribuir um valor à biodiversidade, estabelecendo um preço de entrada
aos parques e reservas naturais, que representa o custo de conservar a
natureza. De facto, o valor atribuído significa que disfrutar da natureza e
contemplar paisagens lindas, ouvir o canto dos pássaros, e fotografar um animal
carismático tem um valor que pode ser expresso monetariamente.
A nível global, o turismo foi o
principal agente de crescimento económico e principal contribuinte na criação
de emprego, redução de pobreza, conservação do ambiente, a paz e entendimento
multicultural. Nessa base, a Organização Internacional do Turismo criou o
Comité para o Turismo Sustentável, com a finalidade de monitorar o
desenvolvimento sustentável do turismo, incluindo o ecoturismo para a
erradicação da pobreza e conservação do ambiente como um elemento principal.
A biodiversidade enriquece
actividades de lazer como caminhadas, observação de pássaros ou estudo de
história natural. Muitas culturas vêem-se como uma parte do mundo natural,
criando assim hibridação entre valores culturais e naturais, enriquecendo os
elementos turísticos.
4.1
Turismo ecológico
Os parques nacionais são talvez a
forma mais comum de conservação da natureza que proporciona oportunidades para
o turismo. Quando em 1872, o Yellowstone
National Park, o primeiro parque nacional do mundo, foi criado, com o
objectivo de se tornar num “espaço
público de lazer para o benefício e diversão do povo” e representou o
inicio de uma nova Era por ter permitido a valorização da terra pela sua beleza
cénica, ao invés de a transformar em área agrícola, habitacional ou industrial.
Hoje,
existem mais de 14,800 parques nacionais em mais de 100 países e acredita-se
que os mesmos, co-geridos de forma participativa, sejam a forma mais efectiva
de conservação da biodiversidade. Desta forma, os parques nacionais e o turismo
estabeleceram uma aliança na promoção do desenvolvimento do turismo e na
conservação da biodiversidade.
Um
estudo realizado pelo Instituto Semeia (do Brasil) em 2015 sobre o turismo e os
parques nacionais no Brasil e Estados Unidos da América ()
revelou que em 92% dos parques, a biodiversidade e os recursos naturais eram
mantidos pelo turismo. O estudo mostrou ainda que o uso público contribuiu para
a educação ambiental dos visitantes, para além de ter ajudado na diminuição de
actividades ilegais dentro dos parques, como caça, desmatamento e incêndios.
Tais resultados sustentam a hipótese do uso dos parques como instrumentos da
conservação da natureza e também da geração de oportunidades de emprego, renda,
lazer e saúde para a sociedade.
O turismo nos parques nacionais aumentou
consideravelmente ao longo do tempo. O termo “parque nacional” é percebido como
uma marca registada que está associada ao turismo baseado na natureza e
simboliza "um ambiente natural de alta qualidade e uma infraestrutura
turística bem projectada".
A Estratégia e Plano de Acção para
a Conservação da Diversidade Biológica de Moçambique (2015-2035), estabelece as
directrizes para a valorização da biodiversidade, entretanto, ainda existe
muita biodiversidade ameaçada que se encontra fora das Áreas de Conservação.
Por seu lado, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento () indica
o “turismo ecológico, cultural e histórico”, como uma das 4 áreas prioritárias,
e chama atenção para a necessidade de políticas e acções de apoio a este
sector.
5.
As potencialidades e desafios do turismo
sustentável em Moçambique
José de Albuquerque, economista e
homem de negócios, uma vez disse: “Moçambique
está condenado a ser um destino turístico”. Porém há algumas questões, as
quais muitos estudiosos da matéria coincidem em dizer que o país precisa
despertar esse potencial adormecido e transformá-lo em riqueza e base para o
desenvolvimento sustentável. Com efeito, há 10 anos, o Professor Jorge Ferrão,
depois de verificar que o turismo chegou a ser a segunda maior fonte de
investimento estrangeiro directo (atrás do sector dos transportes), e
contribuía muito mais que a agricultura e a indústria, para além do seu
potencial para um desenvolvimento inclusivo, com a participação de PME e
comunidades locais, sugeriu que o país precisava de um governo pro-turismo e
criar espaço adequado para que este de facto prospere.
5.1
Biodiversidade marinha e costeira
As praias de águas limpas e
transparentes e quentes favorecem o turismo de mergulho para a contemplação da
riqueza da biodiversidade marinha incluindo alguns ícones da fauna marinha tais
como o tubarão-baleia, a raia-manta, os golfinhos, tartarugas marinhas, entre
outros. Quem testemunha são os Bitonga Divers, da praia do Tofo, em Inhambane que
numa entrevista a um órgão de informação, disseram: “O Tofo sem turismo não existiria. O Tofo depende em 90% do turismo".
Moçambique conta com cerca de 500
espécies de animais marinhos, uma rica biodiversidade descoberta no âmbito de
uma pesquisa levada a cabo num cruzeiro realizado em 2016. Os resultados
divulgados desse estudo revelam que foram identificadas três espécies novas
(não previamente identificadas no mundo), bem como foram descobertas cerca de
30 espécies de peixes que ainda não tinham sido encontradas no país, embora já tinham
sido encontrados noutros países. ()
Porém, os números divulgados pela
Associação Moçambicana de Megafauna Marinha, indicam que na última década, as
populações de tubarões-baleia sofreram um declínio de 79%, enquanto as
raias-manta perderam 88% da sua população. Entre os vários factores que
contribuem para o declínio das populações, destaca-se as redes de malha fina,
caracterizadas como "uma grande ameaça” para estes gigantes marinhos. ()
A criação de uma Área de Protecção
Ambiental nas Ilhas Primeiras e Segundas, no norte de Moçambique, em 2012,
tornando assim esta área na maior reserva marinha de África, representou um
passo importante na protecção dos ecossistemas marinhos. Os arquipélagos das ilhas
Primeiras e Segundas são reconhecidos por possuir uma elevada biodiversidade, e
constituírem um ambiente marinho com potencialidades para o desenvolvimento do
turismo costeiro ().
Nas últimas duas décadas houve
alguns investimentos no turismo de sol e praia, entretanto, em 2006, José de
Albuquerque dizia que “esse turismo não era resultado de um processo organizado
e planificado, mas da existência simultânea de boas praias, de vazio regulador,
e de um cabritismo que se alimenta dos labirintos burocráticos…” Com efeito,
passados mais de 10 anos, o sector privado ainda continua a queixar-se dos
mesmos problemas, da “fraca efectividade e falta de enfoque” de instituições públicas
que não deixam o sector do turismo ganhar competitividade na região e no mundo
().
5.2
Biodiversidade terrestre
Moçambique já foi um destino
turístico de referência no continente Africano, pelo seu famoso Parque Nacional
de Gorongosa. Estabelecido em 1920 como Reserva de Caça, e convertido a Parque
Nacional em 1960, este chegou a receber pouco mais de 22,000 turistas em 1972.
Durante a guerra civil, as infraestruturas do parque foram destruídas e as
populações de fauna foram dizimadas e reduzidas em mais de 90%. Nos anos 90
reiniciou a reabilitação e o repovoamento do parque, sendo que o número de
turistas voltou a aumentar, tendo chegado a 7,000 turistas em 2011.
A combinação de turismo do interior
baseado na fauna bravia, dunas espectaculares e turismo de costa/praia é um dos
principais atractivos de Moçambique. Áreas tais como a Reserva Especial de
Maputo, a Reserva Marinha da Ponta do Ouro, são exemplos típicos dessa
combinação.
A criação dos Parques Nacionais de
Limpopo e das Quirimbas da década passada constituiu um passo gigantesco não
apenas na conservação de biodiversidade, mas também da promoção do turismo.
Porém, não basta decretar áreas de conservação, é preciso reforçar as medidas
para que estas realizem o seu papel.
Os parques nacionais Moçambicanos
têm desafios próprios, particularmente pelo facto destas albergarem populações
residentes dentro. O conflito entre o uso de subsistência e a conservação leva
em alguns casos a conflitos homem-fauna-bravia, criando assim, percepções
divergentes sobre o sentido e a importância dos Parques e outras áreas de
conservação.
A economia local das populações
rurais mais pobres depende estritamente da biodiversidade e pode contribuir em
até cerca de 100%. O cenário actual, caracterizado pela pobreza e a falta de
oportunidades de geração de renda nas zonas rurais, leva a que muitas pessoas
recorram à exploração ilegal e não sustentável de recursos faunísticos e
florísticos. Nisso, os furtivos aproveitam-se da fragilidade das instituições e
da facilidade com que esses mesmos recursos podem ser explorados.
Conciliar os objectivos de
conservação e de subsistência passa necessariamente por um relacionamento
harmonioso entre os agentes de conservação e as comunidades locais. Conseguir
esse relacionamento traz vantagens para as próprias comunidades residentes,
pois encontram nisso oportunidades de emprego e alternativas de utilizar a
biodiversidade de forma sustentável.
A caça desportiva é considerada uma
das mais eficientes formas de valorização e conservação da fauna bravia e que
inclui as populações locais. Em Moçambique, a caça desportiva começou a ganhar
forma nos anos 60, tendo sido classificada como uma das melhores de África,
devido a sua elevada qualidade de troféus, e atraiu personalidades importantes
tais como príncipes, presidentes, generais, empresários, astronautas,
jogadores.
Parcerias “público-privadas” e “público-privado-comunidade”
têm sido modelos de gestão das áreas de conservação que tem dado melhores
resultados. As Coutadas Oficiais em Manica e Sofala, e as áreas de conservação
comunitárias tais como Tchuma-Tchato,
em Tete e Chipanje-Chetu, em Niassa, são
exemplos desses modelos. Estas áreas não só mobilizam recursos e movimentam
turistas, como também criam oportunidades de emprego e desenvolvem
infraestruturas que beneficiam as populações nas localidades onde operam. Em
parte, estas iniciativas ajudaram a reduzir a caça ilegal, adicionando valor à
biodiversidade e promovendo a partilha de benefícios com as comunidades locais.
5.3
O atractivo turístico só pode ser consumido
no local
O produto do turismo, a atracção
turística, está sempre em promoção. Sempre tem que ser consumido no lugar. Por
isso o turista tem que viajar para junto do atractivo e disfrutá-lo lá.
Regressa a casa apenas com recordações (fotografias, souvenirs, e memórias).
Pelo facto de que o turista não é
residente do local, isso implica que condições de acesso e hospedagem têm que
estar instaladas para que o turismo tenha lugar. A viagem, a gastronomia e a
dormida são partes integrantes do turismo. Noutras palavras, o turismo precisa
de serviços públicos básicos como água potável, energia, vias de acesso e
comunicação, assim como investimentos privados em infraestrutura de acomodação
e restauração, bem como a participação das populações locais. Sendo parte
integrante, não há como pensar num turismo apenas enfocando no atractivo
paisagístico ou na biodiversidade lá existente, mas é preciso pensar no
conjunto todo.
O turismo estimula, assim, o
crescimento de outros sectores garantindo a participação de pequenas e médias
empresas. Tudo isso implica a integração dos elementos locais, exigindo para o
efeito, o treinamento de jovens e tomando em consideração questões de gênero
para apoio ao turismo. A valorização do conhecimento local, incluindo a
história e riqueza cultural e natural são necessários para apoiar o
desenvolvimento do turismo. Exemplos concretos que podem ser citados são as
vilas comunitárias na Swazilândia e África do Sul, onde os turistas vão
experimentar a cultura local e os lodges
comunitários em Moçambique. Esses exemplos representam oportunidades para
alavancar o turismo sustentável baseado nas comunidades.
6.
Notas conclusivas
6.1
A biodiversidade e o turismo têm um
potencial muito grande, mas ainda pouco conhecido em Moçambique
O turismo e a biodiversidade são
aliados naturais e têm ganhos mútuos! Numa altura em que a biodiversidade está
em crise, o uso não extrativo ou de pouca intensidade, através do turismo
sustentável representam uma base importante para a conservação da biodiversidade
e com esta os outros co-benefícios. A criação da ANAC
em 2011 e a mobilização de fundos internacionais através de iniciativas como a
MozBio e a Fundação Biofund têm em vista a potenciação desta aliança entre o
turismo, a biodiversidade e a educação ambiental.
Em Moçambique, cerca de 26% do
território nacional está sob 24 áreas de conservação, em forma de parques
nacionais, reservas nacionais, coutadas oficiais e áreas comunitárias de caça –
todas elas com um elevado potencial para o turismo, mas a avaliação do seu
desempenho mostra que estas áreas precisam de uma transformação.
6.2
A UEM tem responsabilidades acrescidas na conservação
de biodiversidade para um turismo sustentável
O turismo só será de facto
sustentável se novos paradigmas de desenvolvimento forem adoptados. A procura
constante do equilíbrio entre aspectos sociais, ambientais e económicos requer habilidades
de observações sistemáticas de longo prazo, com vista a perceber os impactos de
políticas e a procurar soluções alternativas para que o desenvolvimento do
sector do turismo e a conservação da diversidade biológica sejam feitos de
maneira inclusiva e contribuam para a redução da pobreza. Para além do
interesse turístico, as áreas de conservação têm importância científica. Elas são
autênticos campos experimentais para a investigação da biologia e ecologia, a formação,
treinamento e educação de técnicos qualificados, e o público em geral.
Uma universidade de investigação
como é a UEM, tem uma responsabilidade acrescida na liderança na pesquisa nesta
área. Acredito que é chegado o tempo de pensar num “laboratório de
biodiversidade” e porque não um “laboratório de desenvolvimento sustentável”
para a testagem de teorias, teorização do conhecimento local, produção e gestão
de conhecimento sobre o capital natural biológico e a sua valorização
integrada.
Com efeito, a UEM já vem assumindo
esse papel, e como reconhecimento disso, é a existência de diversos programas
de investigação e ensino nas áreas de biodiversidade marinha, costeira e
terrestre e turismo sustentável em diferentes Faculdades e Escolas. Recorde-se
que a UEM foi designada Autoridade Científica da CITES (),
com as funções de aconselhar e assistir a Autoridade Administrativa bem como formar
e consciencializar o público sobre o comércio internacional de espécies
ameaçadas ou em perigo.
6.3
A UEM tem um papel preponderante na
formação de técnicos qualificados capazes de gerar o autoemprego
Não há dúvida que os quadros
formados na UEM são de reconhecido mérito, mas precisam ir um pouco além e
encontrarem formas inovadoras de geração de emprego. Como foi referido, o
turismo é um dos sectores com maior crescimento e capacidade de geração de emprego,
sendo que os graduados da UEM podem dar ao turismo um cunho mais moderno, de
alto padrão, eficiente, e institucionalizado, e desta forma catapultar o
turismo e ao mesmo tempo promover a valorização e conservação da
biodiversidade. Por outro lado, o sector privado clama por profissionais de
hotelaria e turismo com o saber fazer coisas do dia-a-dia, incluindo arrumar
camas, servir na mesa, abrir uma garrafa de vinho, entre outras. Isso sugere
que há um espaço que a UEM pode explorar, com enfoque em cursos de formação
técnico-profissional, cursos de curta duração, cursos sem grau superior, cursos
de reciclagem, que satisfaçam esta procura. Destaca-se aqui o papel da Escola
Superior de Hotelaria e Turismo de Inhambane.
Para terminar:
Como diz um amigo meu: ter um pau,
não é ter uma escultura, é preciso saber o que se pode esculpir, e é preciso
saber esculpir. Eu quero usar essa frase para dizer que ter potencial turístico
não é ter turismo, é preciso planificar e investir. A UEM tem um papel de
desenvolver o conhecimento e ensinar essa transformação.
Magnífico Reitor,
Excelências,
Caros convidados,
Muito obrigado pela atenção.